segunda-feira, 16 de setembro de 2013

RENASCIMENTO


Levou muito tempo para eu entender o renascimento como ensinado pelo Buda e a diferença entre este conceito e o de reencarnação. De modo que o que posso falar sobre minha experiência nesse entendimento é que ele como todos os outros, e como tudo, vai mudando ao longo de nossa experiência, mas chegando a uma resposta mais e mais clara. Seria ótimo ter paciência e persistir no estudo, na prática e na medição em vez de querer respostas rápidas, mas sei que isso talvez seja humanamente impossível, por isso gostaria de compartilhar um pouco do que pude entender na esperança de poder ajudar àqueles que, como eu já estive antes, se encontram ansiosos por compreender ao menos intelectualmente ou racionalmente esse difícil conceito.

Em primeiro lugar quero ressaltar que o que eu penso ou outras pessoas inclusive mestres do budismo devem ser totalmente filtrados e deixados de lado se possível; e devemos nos ater apenas ao que foi dito pelo Buda e se encontra nos textos, para confirmar se essa forma de entender está ou não correta com base nisto.

Tomando esse cuidado aponto para uma circunstancia muitas vezes ignorada quando se trata do assunto: Buda diz claramente que há a retribuição aqui e em outros mundos e em outras vidas. Tomarei esse ponto primeiro e como o mais importante por alguns motivos, entre eles a fanática insistência de alguns na doutrina de anatta como uma doutrina de que não há um eu, quando Buda mesmo diz (veja no Majjhima Nikaya e no Digha nikaya) que isso é um erro. E a consequência dessa suposta doutrina do Buda para as outras vidas: se assim fosse esse conceito invalidaria a retribuição, seria semelhante ao que Buda aponta como niilismo, que diz não haver existência depois dessa vida nem retribuição.

Um problema é que as pessoas que se encontram há muitos anos no budismo se sentem tentadas a dar respostas simples mesmo quando nem elas mesmas entenderam ainda a complexidade que envolve o conceito de renascimento, que remete ao segundo ponto: os dozes elos da originação interdependente, outro caso bem difícil de entender e de explicar. Digo isso não devido a acreditar que eu possua o entendimento correto e completo, mas por esse primeiro erro e esse segundo esquecimento me parecerem estar na base de toda incompreensão acerca do renascimento.

Não me alongarei aqui em explicar esses conceitos que devem ser buscados nos suttas, apenas os colocarei em relação. Se há a retribuição não faz sentido alguém pagar a retribuição de outro, certo? Se a continuidade é de outro, não teria porque nos preocupar com a retribuição e essa seria a natureza injusta e problemática da existência. Esses símiles didáticos que dividem o ser em partes para explicar aquela que transmigra geralmente vão cair por terra já aqui. Buda apresenta os agregados, mas ele não diz que nós somos eles. Então essa tristeza no olhar, de se sentir como agregado iludido, não passa de mais uma ilusão. O erro é precisamente identificar-se com qualquer uma dessas partes, ou constituintes, ou agregados, ou a mente, etc. O erro está em pensar em um si mesmo separado do resto das pessoas, das consciências, do universo (ou por outro lado identificar-se com essas coisas, acreditando que é tudo ou que é o universo). É justamente esse o eu que não existe. Mas existe o eu aqui agora, o fluxo de nossas experiências, pode ser o kamma (com certeza ele está aqui agora): há lembranças (reais ou não), há a impressão (não importa se seja realidade ou ilusória) de uma continuidade.

Mas, amigos, não há de fato essa continuidade de lembranças, de consciência, de personalidade. Há uma sequencia de ínfimos instantes consciência em que cada um herda, toma para si o conteúdo do anterior, ou pelo menos grande parte dele. Estamos morrendo de fato aqui agora, essa é a doutrina de anatta (estou consciente que recorri a ideias do vissuddhimaga e do abidhamma para conceber isso e não só das palavras do Buda, mas parto da suposição de que essas exatamente são uma boa explicação daquelas): não há continuidade alguma de coisa nenhuma, nenhum fenômeno, não há alma, substância, essência nem em nós nem nas coisas, não há um eu permanente, imutável. Da mesma forma continuará depois da morte e ao renascermos, por isso se fala em retribuição, em ir para outros mundos, em iluminação, se não fosse assim essas coisas seriam sem sentido. Fala-se em renascer numa terra pura como se fala em ir embora para outro país, não é tão diferente. Ou estaríamos plantando para outro colher e outro desfrutar? Obviamente que não, Buda ensina que colheremos o que plantarmos não que outra personalidade ou outra mente ou outro ser colherá.

Nós atribuímos arbitrariamente a certo conjunto de fenômenos uma pessoalidade, personalidade, identificação com esse fluxo. Quando as causas e condições estiverem presentes este fenômeno ressurgirá. Esse processo está descrito nos doze elos. O apego à existência como tal é justamente o que nos faz retornar. É preciso lembrar bem, isso está explicado quando se fala da originação interdependente.

Portanto não há alma que transmigra, pois de fato não há alma alguma, nem sequer agora. Não existe ego, espírito, essência, self. Não é só depois da morte, exatamente agora isso também não existem. Existe uma impressão de que exista, uma atribuição que colocamos sobre certos fenômenos (que nem são os mesmos para todo mundo) e de que exista a continuidade de alguém, características pessoais, emoções, etc. como é agora, e assim continuará. O que continua não pode ser diferente do que é agora, cada ínfimo instante é consequência de seu anterior e assim será depois da morte e do renascimento. O renascer é justamente a reunião das condições anteriores, consequência do que foi o instante anterior. Diz-se que há a lembrança após a morte de tudo, mas não após o renascimento, a morte seria como uma continuidade e o renascimento um reinício.

É nisso que consiste de fato a dúvida de quem pergunta de fora, pois não conhece os conceitos budistas; pensa ter um eu contínuo e que tem prova disso a todo instante, pensa que está consciente a cada instante e que distingue sem dúvida o que é real do que é ilusão. O budismo antes faz perder essas falsas certezas, surge então o segundo perguntador, “se não isso, então o que?”; é aqui que temos que parar com as bobagens e historinhas despreocupadas porque para quem pergunta é algo muito sério e embora Buda tenha recomendado arrancar a flecha primeiro, quem somos nós para poder dizer para alguém tal coisa? Para sermos realmente dignos deveríamos antes por em prática metta e karuna e compreender a aflição do outro. Isto é o sofrimento, e sua origem é o apego, mas o apego a uma coisa que não existe. Acredito que em vez de tratarmos os outros como tolos deveríamos nos esforçar para mostra-los que já estão livres desse peso e como morremos já quando vamos dormir e mesmo a cada respiração e renascemos a cada dia e a cada instante e como colhemos as consequências dos nossos atos e de como cultivamos nossa mente e o que plantamos em nossa consciência.

O fluxo da ilusão continua aqui agora de instante a instante e do mesmo modo continuará. O eu que supomos ser agora, embora a cada ínfimo instante de consciência já seja outro sem que percebamos, pensará o mesmo de si mesmo como continuidade, exatamente como pensamos ser a mesma pessoa do início dessa frase. Não há com o que se preocupar se você entende os doze elos.

Mas tendência que temos de separar o si mesmo do resto dos fenômenos não só é arbitrária como nos leva ao erro de identificarmo-nos com alguma parte do que somos chamávamos nós. O meu caso pode ser um bom exemplo: identificava-me a princípio com a consciência, “eu não sou o corpo, eu não sou a mente, eu não sou a personalidade, mas a consciência”, mas aí você medita e medita, vasculha essa consciência e vai encontrando várias coisas nela, e tudo que você encontra são fenômenos, são conteúdos. A consciência mesma é vazia como um espelho, tudo que pensava ser eu então é igual em qualquer pessoa, em qualquer ser sensciente, automaticamente estava salvo! Mas essa era só mais uma de minhas ilusões... Buda fala que “há um incondicionado, e se não houvesse um incondicionado de fato não haveria esperança para o que é condicionado”. Como hoje deposito toda minha confiança nesse professor e tenho sido abençoado pelos magníficos benefícios de seu ensinamento, posso apostar que através da disciplina, da atenção constante e da meditação qualquer pessoa dedicada poderá descobrir em si mesmo o que é incondicionado, o que escapa ao ciclo de dor, sofrimento e morte e que contém toda a sabedoria...

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

COMPREENDENDO A LINGUAGEM CORRETA


O terceiro elemento do nobre caminho óctuplo é decerto um dos mais difíceis na prática, visto que na vida cotidiana estamos acostumados a falar mecanicamente, e de acordo com nossas emoções sem se importar muito com a consequência do que falamos e de como falamos na mente dos outros nem na nossa própria. Muitas vezes estimulamos as emoções negativas ou desenvolvemos o estresse a partir de nossa própria falação.

            A fala correta é a abstenção de quatro maneiras de falar incorretas e a adoção de cinco modos ou motivações corretas da fala, como se verá. O que o praticante provavelmente notará no início, quando começar a por a atenção na maneira como fala, é que é realmente ele que fala? Ou seja, é comum notar que fala de modo automático, sem atenção. Se gravar a si mesmo durante um dia inteiro com certeza se surpreenderá com o que ouvirá dizer e com seu tom de voz também. Inutilidades, hostilidade e agressões, fofoca, emoções negativas, grosseria, ofensas, mentiras, calúnia, sarcasmo, crueldade, etc. enfim tudo isso deve ser notado. Se tentarmos medir sinceramente a consciência com que usamos a fala e as consequências dela na mente de outras pessoas e na nossa mesmo o resultado pode ser assustador.

            Uma especial atenção é dada no budismo à mentira, pois aquele que é capaz de mentir é capaz de cometer qualquer ato inapropriado e mentir sobre isso para escondê-lo sem ter que passar pela vergonha, apreensão, censura, ou mesmo consequências mais graves advindas desse ato. Isso torna a pessoa facilmente desonesta, dissimulada, falsa e esse tipo de atitude corrompe não só a mente de quem pratica, mas causa a desarmonia em todo o ambiente e em todas as relações. Mentir é primazia para a desonestidade e toda ação ilícita. O mentiroso pode fazer qualquer coisa sem se preocupar em prestar contas. A mentira destrói a integridade de uma pessoa e de um povo.

            Outro aspecto importante dos danos causados pela mentira quanto à prática budista é que aquele que é capaz de mentir para os outros é primeiramente capaz de mentir para si mesmo. Isso é um nível bem mais sutil de observação, mas que devemos encarar com sinceridade, atenção e desprendimento, pois a prática nos levará a perceber como a mentira exige mais esforço, como rouba nossas energias e nos leva ao estresse; quão caro pagamos para sustentar uma mentira, mas como por outro lado, em muitos casos ela já está tão sutilmente condicionada que escapa de nós automaticamente. Isso já seria uma auto enganação, mas, além disso, realmente por vezes a mentira engana por completo até ao mentiroso. Como diz o ditado “mente melhor quem mente para si mesmo”, ou seja, convence melhor quem acredita na própria mentira. Isso está na base de toda corrupção, de toda falsidade, de todo engano, mesmo que num nível muito oculto de consciência ou do crivo de nossa autocrítica, entretanto sempre nos enganamos também de alguma forma quando mentimos.

Mas em muitos outros aspectos, mentimos para nós mesmos, consciente ou inconscientemente. O problema maior a princípio é que geralmente não percebemos isso ou fazemos vista grossa. Aqui o praticante pode até notar outro mal causado pela fala incorreta, o constante diálogo interior tentando criar mentiras e justificativas para os outros e até para si mesmo, que toma seu tempo, energia, e trás à tona emoções desgastantes, etc. E de tal forma exercitamos esse comportamento, já tão automatizado, que às vezes não mentir para si mesmo ou para os outros exige mais esforço e vigilância. O mal desse exercício de longos anos, em mentir, é bom novamente ressaltar, é que automaticamente também se mente para si e nem percebe.

Outro ponto importante a se notado é que o segundo elemento do caminho óctuplo pede mais exame e mais atenção por parte do praticante. Ele requer uma maior intencionalidade na tarefa, portanto é uma tarefa mais consciente e mais enérgica ainda. É preciso aqui maior força aqui, e isso passa por dois processos, energia e decisão. É preciso vontade e decisão por abandonar a linguagem incorreta, o que a principio exige esforço, e em adotar a linguagem correta o que exige o exame. O exame da fala pode aparentemente (ou hipoteticamente) ser fácil, mas todos os que já começaram sabem que na prática se mostra justamente o contrário, na verdade a fala é bem mais rápida do que a consciência dela. Não é incomum notar que a consciência da fala geralmente vem depois, e o pior é que às vezes até horas depois. Assim a fala também é uma importante ferramenta que nos mostrará a triste realidade de nossa inconsciência e de como simplesmente reagimos automaticamente a tudo de acordo com nossos condicionamentos e com nosso kamma.

Mais um elemento importante traduzido aqui como linguagem maliciosa e em algumas outras traduções como fofoca, merece uma atenção redobrada. Falar sobre alguém ou contar um detalhe de algum acontecimento que envolve uma pessoa a outra, ou mesmo de um acontecimento pessoal, mas que envolve outra pessoa, se torna muitas vezes uma atitude comum em nossa cultura e um hábito, que de fato é nocivo em nossa mente. As pessoas costumam falar de histórias e de outras pessoas e muitas vezes não se dão conta que podem estar levando uma informação sobre uma pessoa que esta não gostaria que fosse levada, ou mesmo por vezes divulgando algo que lhe foi confiado, etc. E mesmo por vezes não se percebe o quanto se pode estar distorcendo ou exagerando os fatos.

Então esses elementos podem estar bem emaranhados, mas devem ser observados. Por exemplo, a fofoca, pode comumente conter elementos de exagero, de calúnia, então já é também mentira; pode vir carregada de elementos emocionais, palavras duras, xingamentos, agressividade, já envolvendo a fala grosseira, e cada elemento desses podendo levar a outro. Pode ser também o contrário, que esses elementos estejam tão diluídos no discurso que a pessoa não sinta que está praticando a fala incorreta ou grosseira. Ela pode assim ser tão sutil ou costumeira que já está banalizada e a pessoa já sinta que aquilo é sua personalidade e que não fez nada demais ou que todo mundo faz assim, etc. não vendo que isso é o começo de todo inferno e toda rede de intrigas. Isso pode se dá no nível do que se fala, se é mentira, calúnia, fofoca, futilidades, etc. e de como se fala, se se usa de uma linguagem áspera, um tom de voz agressivo, palavras que incomodam ou mesmo de baixo calão. Talvez justamente esses, em que já se banalizou ou considera inofensivo, constituam os casos mais graves e mais difíceis de serem modificados.

A fala inadequada também passa pela linguagem frívola, o simples falar por falar como se verá, e inclui, em todos os casos, a ideia do saber; e de saber se abster quando não sabe. Isso pode passar batido quando vivemos hoje numa sociedade onde a opinião sobre tudo é exigida como se fosse algum saber ou mesmo sabedoria e as pessoas sentem-se tentadas a todo instante de opinar sobre o que não sabem ou ter uma ideia formada sobre coisas que não entendem, o que leva a emitir opiniões que serão de alguma forma mentira ou fofoca ou outra forma de fala incorreta. Isso contrasta com sociedades onde o verdadeiro saber e a informação correta é valoriza, como na Grécia antiga ou na Índia antiga, onde até a palavra correspondente a “opinião” geralmente significava apenas a palavra inútil de quem não sabe. Vivemos numa cultura onde a informação aleatória, desconexa e descontextualizada é mais requisitada como referencial e a exigência absurda de uma opinião sobre toda e qualquer, pode fazer com que as pessoas falem muito sobre o que não sabem com medo de se sentirem ridicularizadas ou alienadas. Nesse ponto talvez possamos apontar, com chance de errar, que vivemos realmente numa “sociedade” doente.

O entendimento vem primeiro identificando qual a fala correta e qual a fala incorreta naquilo fala e como fala. Depois disso vem o esforço para abandonar a fala incorreta e adotar a linguagem correta da maneira como é explicado, e com atenção plena correta, com vigilância.

Buda ensina não apenas o que é a linguagem incorreta e como se abster dela. Ele ensina também o que é a linguagem correta e os critérios para o saber vale a pena falarmos. Ele também ensina a postura mental que devemos ter diante daquilo que vamos falar para que possamos evitar o nosso sofrimento e o dos outros, além de outras consequências nocivas. E ainda detalha mais sobre a fala correta. O leitor atento a cada tópico do texto e refletindo a cerca do cada sub tópico e do seu detalhamento, compreenderá logo a importância crucial da fala correta para o seu benefício e de todos e de todo o ambiente ao seu redor. Mas muito mais ainda compreenderá e se beneficiará quando não simplesmente ler e refletir, mas levar o ensinamento ao campo da experimentação, levar à prática e descobrir por si mesmo os resultados desse terceiro elemento do caminho óctuplo.

 

Linguagem Correta

Samma Vaca

Linguagem Correta é o terceiro dos oito elementos do Nobre Caminho Óctuplo e, pertence ao grupo da virtude

 



 

Definição

"E o que é a linguagem correta? Abster-se da [1] linguagem mentirosa, da [2] linguagem maliciosa, da [3] linguagem grosseira e da [4] linguagem frívola. A isto se chama linguagem correta."




Cinco elementos para a linguagem correta

“Bhikkhus, um enunciado dotado com estes cinco elementos é bem falado, não é mal falado. Não será passível de crítica e censura pelos sábios. Quais cinco?

“É falado no [1] momento apropriado. [2] Contém a verdade. [3] Falado com afeição. [4] Falado para trazer benefício. [5] Falado com a mente plena com amor bondade.”

                         -- AN V.198



O perigo em mentir

"Para a pessoa que transgrede em uma coisa, eu lhes digo, não haverá nenhum mal que não possa ser cometido. Qual coisa? Isto: dizer uma mentira de forma deliberada."

A pessoa que mente,
que transgrede nessa única coisa,
sem tomar em conta o próximo mundo:
não existe mal
que ela não possa cometer.

-- It 25



Auto purificação através da cuidadosa escolha da linguagem

" E como alguém se torna puro de quatro formas pela ação verbal? É o caso em que alguém, abandonando a linguagem mentirosa, [1] se abstém da linguagem mentirosa; tendo sido chamado para uma corte, uma reunião, um encontro com seus parentes, com a sua corporação, com a família real, se assim for questionado como testemunha: 'Então, bom homem, diga o que você sabe,' se ele não souber, dirá, 'Eu não sei'; se ele souber, dirá, 'Eu sei'; se ele não viu, dirá, 'Eu não vi'; se ele viu, dirá, 'Eu vi'. Assim com plena consciência ele não conta mentiras em seu próprio benefício, pelo benefício de outros ou para obter algum benefício mundano insignificante. Abandonando a linguagem maliciosa, ele [2] se abstém da linguagem maliciosa; o que ouviu aqui ele não conta ali para separar aquelas pessoas destas, ou, o que ouviu lá ele não conta aqui para separar estas pessoas daquelas; assim ele reconcilia aquelas pessoas que estão divididas, promove a amizade, ele ama a concórdia, se delicia com a concórdia, desfruta da concórdia, diz coisas que criam a concórdia. Abandonando a linguagem grosseira, ele [3] se abstém da linguagem grosseira. Ele diz palavras que são gentis, que agradam aos ouvidos, carinhosas, que penetram o coração, que são corteses, desejadas por muitos e que agradam a muitos. Abandonando a linguagem frívola, ele [4] se abstém da linguagem frívola. Ele fala na hora certa, diz o que é fato, aquilo que é bom, fala de acordo com o Dhamma e a Disciplina; nas horas adequadas ela diz palavras que são úteis, racionais, moderadas e que trazem benefício. Assim é como alguém se torna puro de quatro formas pela ação verbal.




Sua relação com os demais elementos do caminho

"E como é que o entendimento correto vem primeiro? A pessoa compreende a linguagem incorreta como linguagem incorreta e linguagem correta como linguagem correta. E o que é linguagem incorreta? Linguagem mentirosa, linguagem maliciosa, linguagem grosseira e linguagem frívola: isto é linguagem incorreta.

"A pessoa faz o esforço para abandonar a linguagem incorreta e penetrar a linguagem correta: esse é o esforço correto da pessoa. A pessoa com atenção plena abandona a linguagem incorreta e penetra e permanece com a linguagem correta: Essa é a atenção plena correta da pessoa. Assim essas três qualidades - entendimento correto, esforço correto, e atenção plena correta – giram em torno da linguagem correta."




O critério para decidir aquilo que vale a pena ser dito

[1] "No caso de palavras que o Tathagata sabe que não correspondem aos fatos, inverdades, não trazem nenhum benefício (ou não estão conectadas com o objetivo), antipáticas e desagradáveis para os outros, ele não as diz.

[2] "No caso de palavras que o Tathagata sabe que são fatuais, verdadeiras, não trazem nenhum benefício, antipáticas e desagradáveis para os outros, ele não as diz.

[3] "No caso de palavras que o Tathagata sabe que são fatuais, verdadeiras, benéficas, porém antipáticas e desagradáveis, ele possui o bom senso do momento correto de dizê-las.

[4] "No caso de palavras que o Tathagata sabe que não correspondem aos fatos, inverdades, não trazem nenhum benefício porém são simpáticas e agradáveis para os outros, ele não as diz.

[5] "No caso de palavras que o Tathagata sabe que são fatuais, verdadeiras, não trazem nenhum benefício, porém são simpáticas e agradáveis para os outros, ele não as diz.

[6] "No caso de palavras que o Tathagata sabe que são fatuais, verdadeiras, benéficas, e simpáticas e agradáveis para os outros, ele possui o bom senso do momento correto de dizê-las. Por que isso? Porque o Tathagata tem compaixão pelos seres vivos."

-- MN 58

Usemos palavras
que não nos causem dor
nem que tormentem os outros:
essas são as palavras bem faladas.

Usemos palavras agradáveis,
que alegrem as pessoas.
Sem recorrer a palavras más.




Reflita acerca da sua linguagem antes, durante e após falar...

[O Buda fala com seu filho, Rahula:] “Rahula, quando você quiser praticar uma ação verbal, você deveria refletir a respeito: 'Esta ação verbal que quero praticar - conduzirá à minha própria aflição, à aflição de outros, ou ambos? É uma ação verbal sem habilidade, com consequências dolorosas, resultados dolorosos?' Se, refletindo, você sabe que conduzirá à sua própria aflição, à aflição de outros, ou ambos; será uma ação sem habilidade com consequências dolorosas, resultados dolorosos, então qualquer ação verbal desse tipo é totalmente inadequada. Porém se refletindo, você sabe que não causará aflição...será uma ação habilidosa com felizes consequências, felizes resultados, então qualquer ação verbal desse tipo é adequada.

"Também, Rahula, enquanto você estiver praticando uma ação verbal, você deveria refletir a seu respeito: 'Esta ação verbal que estou praticando - conduzirá à minha própria aflição, à aflição de outros, ou ambos? É uma ação verbal sem habilidade, com consequências dolorosas, resultados dolorosos?' Se, refletindo, você sabe que conduzirá à sua própria aflição, à aflição de outros, ou ambos...você deveria desistir dela. Porém se refletindo você sabe que não é...você pode continuar com a ação verbal.

“Também, Rahula, tendo praticado uma ação verbal, você deveria refletir a respeito... se, refletindo, você sabe que conduziu à sua própria aflição, à aflição de outros, ou ambos; foi uma ação sem habilidade com consequências dolorosas, resultados dolorosos, então você deveria confessá-la, revelá-la, abri-la para o Mestre ou um sábio companheiro na vida santa. Tendo confessado...você deve exercer contenção no futuro. Porém se refletindo você sabe que não conduziu à aflição...foi um ação verbal habilidosa com consequências felizes, resultados felizes, então você deveria se sentir mentalmente renovado e contente, treinando dia e noite nos estados benéficos.

-- MN 61



Tipos de linguagem que deve ser evitada por contemplativos

"Enquanto que alguns sacerdotes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a falar de tópicos inferiores tais como estes – falar sobre reis, ladrões, ministros de estado, exércitos, alarmes e batalhas; comida e bebida, roupas, mobília, ornamentos e perfumes, parentes; veículos; vilarejos, vilas, cidades, o campo; mulheres e heróis; as fofocas das ruas e do poço; contos dos mortos; contos da diversidade (discussões filosóficas do passado e futuro), a criação do mundo e do mar e falar sobre a existência ou não das coisas – ele se abstém de falar de tópicos inferiores tais como esses. Isto, também, é parte da sua virtude.

"Enquanto que alguns sacerdotes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a debates tais como estes – ‘Você entende esta doutrina e disciplina? Eu sou aquele que entende esta doutrina e disciplina. Como pode você entender esta doutrina e disciplina? A sua prática é incorreta. Eu pratico corretamente. Eu sou consistente. Você não é. O que deve ser dito primeiro você fala por último. O que deve ser dito por último você fala primeiro. O que lhe tardou tanto tempo para pensar foi refutado. A sua doutrina foi derrubada. Você está derrotado. Vá e tente salvar a sua doutrina; solte a si mesmo se você puder!' – ele se abstém de debates tais como estes. Isto, também, é parte da sua virtude."

-- DN 2



Dez tópicos saudáveis de conversação

"Existem esses dez tópicos [adequados] de conversação. Quais dez? Falar sobre [1] ter poucas necessidades, sobre [2] a satisfação, sobre [3] o isolamento, sobre [4] não estar enredado, sobre [5] estimular a energia, sobre [6] a virtude, sobre [7] a concentração, sobre [8] a sabedoria, sobre [9] a libertação, e sobre [10] o conhecimento e a visão da libertação. Esses são os dez tópicos de conversação. Se vocês conversassem repetidamente sobre esses tópicos de conversação, vocês ofuscariam até o sol e a lua com o seu brilho, tão forte, tão poderoso - para não dizer nada dos errantes de outras seitas."




Como chamar a atenção de [‘corrigir’] alguém de maneira hábil

"Bhikkhus, um bhikkhu que deseja chamar a atenção de um outro deve fazê-lo após investigar cinco condições nele mesmo e depois de estabelecer cinco outras condições nele mesmo. Quais são as cinco condições que ele deveria investigar nele mesmo?

[1] "Sou aquele que pratica a pureza nas ações corporais, sem defeitos, imaculado...?

[2] "Sou aquele que pratica a pureza nas ações verbais, sem defeitos, imaculado...?

[3] "O coração com boa vontade, livre de malícia, está estabelecido em mim em relação aos companheiros da vida santa...?

[4] "Sou ou não sou aquele que já ouviu muito, que mantém na mente aquilo que ouviu, que memoriza aquilo que ouviu? Esses ensinamentos que são bons no início, bons no meio, bons no final com o correto fraseado e significado e que revelam uma vida santa que é perfeita e imaculada - esses ensinamentos foram ouvidos muito por mim, memorizados, investigados e compreendidos através da sabedoria...?

[5] "O Patimokkha [regras de conduta para bhikkhus e bhikkhunis] está em sua totalidade memorizado, bem analisado com profundo conhecimento do seu significado, claramente dividido sutta por sutta e conhecido nos seus mínimos detalhes...?

"Essas cinco condições devem ser investigadas nele mesmo.

"E quais outras cinco condições que devem estar estabelecidas nele mesmo?

[1] "Falo no momento correto, ou não?

[2] "Falo acerca de fatos, ou não?

[3] "Falo de maneira gentil ou rude?

[4] "Falo palavras úteis ou não?

[5] "Falo com o coração gentil ou internamente existe malícia?

"Bhikkhus, essas cinco condições devem ser investigadas nele mesmo a as últimas cinco devem ser estabelecidas nele mesmo pelo bhikkhu que deseja chamar a atenção de um outro."

-- AN V (Do ‘The Patimokkha’, tr. Ñanamoli Thera)


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