terça-feira, 30 de julho de 2013

Testemunho de um budista:


 

O que observo depois de meus anos de prática, sem ainda aqui falar dos benefícios espirituais, é que existem coisas que exerciam influência em mim e me levavam a ações impensadas e desastrosas, me irritavam e tiravam minha paz que hoje não me irritam mais nem tiram mais minha paz, nem me levavam a ações impensadas e desastrosas, mas, pelo contrário, a ações coerentes e mais eficientes. E que existiam coisas que exerciam muita influência em mim e me levavam a ações impensadas, me irritavam muito e tiravam minha paz no passado e ainda me irritam hoje e tiram a minha paz, mas hoje me irritam menos e não tiram minha paz nem me levavam a ações impensadas e desastrosas, mas, pelo contrário, a ações coerentes e mais eficientes. Ou se ainda irritam muito e tiram minha paz não irritam como antigamente, não exercem influência no meu caráter ou comportamento nem me levavam a ações impensadas e desastrosas, mas, pelo contrário, a ações coerentes e mais eficientes e rapidamente a irritação passa e em menos tempo que no passado; e rapidamente minha paz é restituída.

Agora, caros amigos, o mesmo posso dizer de outros sentimentos, pensamentos, receios, lembranças, imaginações, sensações, apegos e desejos aflitivos, que me causavam estresse, obscureciam minha visão e tiravam a paz.

Portanto posso inferir que se continuar praticando com a mesma ou mais dedicação ainda, essas aflições continuarão diminuindo e desaparecendo como as que já diminuíram ou desapareceram no passado e continuam desaparecendo e diminuindo no presente.

O mesmo posso observar na minha relação com as pessoas e com o ambiente:

Haviam manifestações de meu caráter e comportamento que irritavam aos outros e tiravam a paz de outros, que interferiam na liberdade, na vida e no bem estar dos outros... mas hoje... portanto posso inferir que no futuro...

Haviam manifestações em meu caráter e comportamento que desequilibravam o ambiente e interferiam na liberdade, na vida e no bem estar dos seres... mas hoje... portanto posso inferir que no futuro...

Conclusão se continuar com energia e perseverança praticando da mesma forma ou ainda com incremento nas práticas, sua continuidade e frequência, na lembrança e na energia, os resultados observados continuaram a fluir progressivamente ou serem também incrementados, até o fim do sofrimento ou pelo menos uma diminuição mais significativa ainda deste. Portanto o budismo, que tem como um dos objetivos últimos o fim do sofrimento, é uma pratica de vida com resultados verdadeiros que realmente levam àquilo que é apontado pelo Buda como resultado.

O budismo não é uma religião para acreditar, para dar explicações, dogmas, crenças, esperanças longínquas e invisíveis ou justificativas para o mal vivido. O budismo é uma religião para ser experimentada, vivida e comprovada por si mesmo. Experimente também cara amiga...                                                                                                            
                                                                Kalyanadhamma

 

domingo, 14 de julho de 2013

ENTENDIMENTO CORRETO, VISÃO CORRETA


Nos suttas, os discursos do Buda, existe uma objetividade na significação dos termos a um nível que talvez não seja encontrada em nenhuma outra religião. O discurso não usa descuidadamente qualquer palavra que caiba ou seus sinônimos, como se faz normalmente numa fala improvisada ou numa aula planejada, se referindo a determinadas coisas que são bem específicas no ensinamento Buda. Não são termos vagos e gerais indefinidos, por exemplo tais como “façamos o bem”, por exemplo, mas pelo contrário quando o Buda diz “fazer o bem” é porque ele já explicou exatamente o que é o bem e como faze-lo, fazer o bem é uma sentença que então vai resumir uma série de ensinamentos dados.

Um exemplo que ilustra bem isso é quando Buda diz para praticar metta (amorosidade), ele antes já definiu que metta é o desejo de que o outro seja feliz e até já prescreveu exercícios, meditações e ações que fazem surgir em nós essa característica e qual a consequência do seu desenvolvimento. Gosto especialmente de usar esse exemplo porque contrasta bem com a maneira que somos acostumados no ocidente, no caso Buda não diz, que devemos ser amorosos e ao mesmo tempo que “o amor é indefinível”, ele diz como foi dito acima, o que é o amor que devemos ter e praticar. Outro grande exemplo muito usado é que ele diz que devemos ser compassivos e que a compaixão é a vontade de livrar o outro do sofrimento, o que torna a “definição” efetiva, não limitante como estamos acostumados e bem distante de suas costumeiras associações passivas tais como “pena” e “piedade”. São palavras precisas e repetidas da mesma forma e na mesma ordem em outros suttas, ou no mesmo, como que insistindo para que aquilo seja bem compreendido e inclusive memorizado.

Esta maneira de organização denota o quanto a assimilação de certos elementos do discurso é importante para o primeiro dos elementos do nobre caminho óctuplo, o entendimento correto. Tais termos específicos aparecem sempre e são repetidos e explicados mais detalhadamente sempre em outros suttas. Inegavelmente esse tipo vocabulário específico, que chega a ser chamado de vocabulário técnico do budismo por alguns, constitui uma rede de conhecimentos e de revisões de conceitos (cotidianos da época ou inovadores) que faz parte do que se chama entendimento correto, como transborda em algumas das citações abaixo do texto abaixo.

Destaquei grifando termos e expressões e também enumerando ou marcando com letras os conjuntos de expressões para indicar aqueles que sempre aparecem, que constituem fundamentos do ensinamento. Fiz assim não só para indicá-los, mas porque merecem que procuremos maior uma maior apreciação e aprofundamento, seja nos textos dos quais são tirados ou de outros. Essa enumeração ou letras aparece entre colchetes assim como qualquer coisa que tenha sido colocada ali por mim ou pelo tradutor. Esses termos e mesmo certas sequências ou conjuntos e expressões já podem ser encontradas em vocabulários de budismo ou dicionários. Existem também os dicionários de pali, linguagen do cânone, nos quais vão ser encontrados outros significados usados em outras traduções. Para mim é muito benéfico e sempre esclarecedor quando pesquisamos em outros suttas e em vocabulários sobre estes termos e expressões que depois vão constituir em nossa memória a síntese de vários ensinamentos e práticas do dia a dia.

Outros elementos importantes que vão constituir o entendimento correto são indicados pelo Buda como se verá nas citações. A definição de entendimento correto mais geral e a primeira que aparece já é uma bem específica. No budismo não é simplesmente qualquer conhecimento exato que é chamado de entendimento correto, mas o entendimento, por si mesmo, e de forma correta, das quatro nobres verdades acerca do sofrimento (dukkha, também traduzido mais exatamente como insatisfatoriedade). Uma tradução em muitos casos mais adequada de samma ditthi, traduzido aqui como entendimento correto, é visão correta. Essa tradução mostra mais ainda que não é qualquer tipo de entendimento de qualquer coisa, mas uma mudança real na maneira habitual de ver, uma mudança de visão, um reler de uma nova forma a experiência através de um entendimento, de um esclarecimento.

Ver as coisas como elas são tem também, no budismo, um significado específico que é a característica mais marcante da existência, as chamadas três marcas da existência, a saber, impermanência (anicca), insatisfatoriedade (dukkha) também traduzido como sofrimento ou estar sujeito ao sofrimento e insubstancialidade (anatta) também traduzido como não-eu. Isto significa enxergar ou entender, em todas as coisas ou fenômenos, como são impermanentes, insatisfatórios (seja por serem desagradáveis ou por serem impermantentes) e desprovidos de uma essência ou substância imutável ou eterna. Entender corretamente, portanto, é o que impulsiona a busca por aquilo que é satisfatório, permanente e imutável, que é conseguido através dos outros elementos do caminho óctuplo.

O autor do texto mostrará também, através de citações, a relação com outros componentes do caminho óctuplo; quais são as ideias errôneas que constituem obstáculo a esses entendimentos corretos e como se livrar delas para alcançar as corretas. Mostra também o conjunto das ideias que aprisionam a nossa visão e o nosso entendimento e como devemos por nós mesmos alcançar e reconhecer um conhecimento seguro.

Entender pode ser considerado também como uma etapa ou primeiro passo por aquele que se aproxima do budismo, pois dificilmente compreenderá e alcançará as experiências necessárias se tomar os termos usados apenas por seu uso coloquial ou sem dar importância a exata relação (por isso mesmo sempre repetida) com ideias de importância pragmática, melhor dizendo, com ideias que são bem definidas com o objetivo de ampliar significativamente a visão correta dos fenômenos ou das práticas às quais se referem. Exemplos disso são facilmente encontrados nas ideias que aprisionam citadas no texto. Exemplos muito importantes mais ligados à prática serão encontrados nos próximos textos dessa série organizada por Michael Beizert no site www.acessoaoinsight.net.

 

 

Entendimento Correto

Samma Ditthi

Entendimento correto é o primeiro dos oito elementos do Nobre Caminho Óctuplo e, pertence ao grupo da sabedoria

 



 

Definição

"E o que é entendimento correto? Compreensão do [1] sofrimento, compreensão da [2] origem do sofrimento, compreensão da [3] cessação do sofrimento, compreensão do [4] caminho da prática que conduz à cessação do sofrimento. A isto se chama entendimento correto."




Sua relação com os outros elementos do caminho.

"E como é que o entendimento correto vem primeiro? A pessoa compreende entendimento incorreto como entendimento incorreto e, entendimento correto como entendimento correto: esse é o entendimento correto de uma pessoa. E o que é entendimento incorreto? [1] 'Não existe nada que é dado, nada que é oferecido, nada que é sacrificado; [2] não existe fruto ou resultado de ações boas ou más; [3] não existe este mundo nem um mundo seguinte; [4] não existe mãe, nem pai; [5] nenhum ser que renasça espontaneamente; [6] não existem sacerdotes nem contemplativos bons e virtuosos que, após terem conhecido e compreendido diretamente por eles mesmos, proclamam este mundo e o próximo.' Isto é entendimento incorreto.

"A pessoa faz o [1] esforço para abandonar o entendimento incorreto e [2 esforço para] penetrar o entendimento correto: esse é o esforço correto da pessoa. A pessoa com atenção plena abandona o entendimento incorreto e penetra e permanece com o entendimento correto. Essa é a atenção plena de uma pessoa. Assim essas três qualidades – [1] entendimento correto, [2] esforço correto e [3] atenção plena correta – giram em torno do entendimento correto."




Um emaranhado de entendimentos incorretos

“Neste caso bhikkhus, uma pessoa comum [a] sem instrução [b] que não respeita os nobres, [c] que não é proficiente nem treinada no Dhamma deles, [d] que não respeita os homens verdadeiros, [e] que não é proficiente nem treinada no Dhamma deles, não entende o tipo de coisas que merecem atenção e que tipo de coisas não merecem atenção. Assim sendo, ela se preocupa com aquelas coisas que não merecem atenção e não se preocupa com as coisas que merecem atenção.”

É desta forma que ela se ocupa sem sabedoria: ‘Eu existi no passado? Não existi no passado? O que fui no passado? Como eu era no passado? Tendo sido que, no que me tornei no passado? Existirei no futuro? Não existirei no futuro? O que serei no futuro? Como serei no futuro? Tendo sido que, no que me tornarei no futuro?’ Ou então ela está no seu íntimo perplexa acerca do presente: ‘Eu sou? Eu não sou? O que sou? Como sou? De onde veio este ser? Para onde irá?’

“Quando ela se ocupa dessa forma, sem sabedoria, uma entre seis idéias surgem nela. A idéia de que [1] ‘um eu existe em mim’ surge como verdadeira e consagrada; ou a idéia de que [2] ‘um eu não existe em mim’ surge como verdadeira e consagrada; ou a idéia de que [3] ‘eu percebo o eu através do eu’ surge como verdadeira e consagrada; ou a idéia de que [4] ‘eu percebo o não-eu através do eu’ surge como verdadeira e consagrada; ou a idéia de que [5] ‘eu percebo o eu através do não-eu’ surge como verdadeira e consagrada; ou então ela tem uma idéia como esta: [6] ‘É esse meu eu que fala e sente e experimenta aqui e ali o resultado de boas e más ações; mas esse meu eu é permanente, interminável, eterno, não sujeito à mudança e que irá durar tanto tempo quanto a eternidade.’ Essas idéias especulativas, bhikkhus, se denominam um emaranhado de idéias, uma confusão de idéias, idéias contorcidas, idéias vacilantes, idéias que agrilhoam. Aprisionado pelas idéias que agrilhoam, a pessoa comum sem instrução não se vê livre do nascimento, envelhecimento e morte, da tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero; ela não se vê livre do sofrimento, eu digo.

“Bhikkhus, um nobre discípulo [a] bem instruído, [b] que respeita os nobres, [c] que é proficiente e treinado no Dhamma deles, [d] que respeita os homens verdadeiros, [e] que é proficiente e treinado no Dhamma deles, entende quais são as coisas que merecem atenção e quais são as coisas que não merecem atenção. Sendo assim, ele não se ocupa com as coisas que não merecem atenção, ele se ocupa com as coisas que merecem atenção.

Ele aplica sua atenção com sabedoria, Isto é sofrimento...Esta é a origem do sofrimento...Esta é a cessação do sofrimento...Este é o caminho que conduz à cessação do sofrimento. Quando ele aplica a sua atenção com sabedoria desta forma, três grilhões são abandonados: [1] a idéia da existência de um eu, [2] a dúvida e [3] o apego a preceitos e rituais."

-- MN 2



Quando o conhecimento de uma pessoa é verdadeiramente seu

[Kaccayana:] “Venerável senhor, é dito ‘Entendimento correto, entendimento correto.’ De que forma existe entendimento correto?”

[O Buda:] “Kaccayana, em geral este mundo depende de uma dualidade, a noção da existência e a noção da não existência. Mas para aquele que vê com correta sabedoria a origem do mundo, tal como na verdade ela ocorre, a noção da ‘não existência’ com relação ao mundo não lhe ocorrerá. Aquele que vê com correta sabedoria a cessação do mundo, tal como na verdade ela ocorre, a noção da ‘existência’ com relação ao mundo não lhe ocorrerá.

“Kaccayana, em geral este mundo é aprisionado por adesões, apegos e preconceitos. Mas uma pessoa como essa [com entendimento correto] não se envolve ou se apega através dessas adesões, apegos, fixações mentais, inclinações ou obsessões; e ela não toma uma determinação com relação ao ‘meu eu’; ela não tem dúvida ou perplexidade que aquilo que surge é apenas o sofrimento surgindo, aquilo que cessa é apenas o sofrimento cessando. O conhecimento dela com relação a isso não depende dos outros. É com referência a isso, Kaccayana, que existe o entendimento correto.




Abandonando o que é inábil, cultivando o que é hábil

"Não se deixem levar pelos relatos, pelas tradições, pelos rumores, por aquilo que está nas escrituras, pela razão, pela inferência, pela analogia, pela competência (ou confiabilidade) de alguém, por respeito por alguém, ou pelo pensamento, ‘Este contemplativo é o nosso mestre.’ Quando vocês souberem por vocês mesmos que, ‘Essas qualidades são inábeis; essas qualidades são culpáveis; essas qualidades são criticáveis pelos sábios; essas qualidades quando postas em prática conduzem ao mal e ao sofrimento’ - então vocês devem abandoná-las

"Quando vocês souberem por vocês mesmos que, ‘Essas qualidades são hábeis; essas qualidades são isentas de culpa; essas qualidades são elogiadas pelos sábios; essas qualidades quando postas em prática conduzem ao bem e à felicidade’ - então vocês devem penetrar e permanecer nelas."