Com
esse texto mais uma vez venho insistir na prática budista mais essencial de
todo momento, a qual também praticamos mais intensamente no momento que
sentamos em meditação. Essa pratica é a do largar, soltar, como Buda diz,
abandonando; é a pratica do desapego, ou não-apego que significa estar presente
e solto, desapegado, sem apego.
Também
novamente venho alertar aos praticantes que o Buda não combate essencialmente o
desejo como se tem pensado devido a traduções ainda não bem elaboradas, mas sim
o que seria mais propriamente traduzido do pali como desejo-apego, já bem comum
em várias traduções, que é o desejo sedento, o desejo egoísta. Por outro lado
há desejos bons como os desejos que combatem os estados prejudiciais falados em
alguns suttas, o desejo de praticar e de se libertar, o desejo de beneficiar os
seres, etc..
Se
Buda combatesse todo desejo, que dizer do desejo de atingir a iluminação para o
bem de todos os seres? Que dizer do desejo de libertação? Que dizer do desejo
que o outro seja feliz (metta – amorosidade); do desejo de libertar o outro do
sofrimento (karuna – compaixão); do desejo de conhecer, entender e praticar o
dhamma – o ensinamento do Buda; do desejo de experimentar os cinco
treinamentos; do desejo de se engajar no treinamento do caminho óctuplo; do
desejo de aprender a meditar? Enfim, que dizer do desejo que moveu Siddhattha,
desejo de acabar com o sofrimento?
Não
somos iluminados, até o dia da iluminação haverá desejo, somos movidos por
nossas motivações pessoais, entre elas estão os desejos e há desejos bons e
ruins, benéficos e prejudiciais, que cooperam no caminho da libertação e que
nos afastam dele. Temos diante de nós a cada instante a escolha de qual caminho
seguir. E isto é de nossa inteira responsabilidade. Que caminho eu quero
seguir? Onde quero chegar? Fazendo isso aonde chegarei? Qual será o resultado?
São indagações com as quais sempre temos que nos defrontar. Devemos combater a
cada passo o que está mais próximo de nossas possibilidades reais, apontados
pelo Buda de forma específica, as causas de nosso desejo-apego, de nosso
egoísmo, egocentrismo e delusão: dúvida, superstição, crença num eu permanente;
má-vontade, cobiça, aversão...
Mas
para saber agir corretamente diante dos desejos precisamos saber o que é ele,
qual o desejo prejudicial ou que trás consequências ruis e qual o seu contrário.
Então primeiro precisamos entender bem o tipo de desejo que é sempre
prejudicial, o que é apontado como a causa do sofrimento que é o desejo-apego. O
desejo-apego é o desejo de agarrar, o desejo de segurar e a sustentação da
ideia de que pode ou que está agarrado e segurando; quando na verdade se tenta
agarrar e segurar o que é impermanente, insatisfatório e insubstancial. Isto
gera o sofrimento, pois tudo que se tenta agarrar, tudo a que se tenha apego
possui essas três características, impermanência, insatisfatoriedade e
insubstancialidade. Mecanicamente nos agarraremos ainda, não é fácil, mas
precisamos ser atentos e decididos, perceber o que está acontecendo e soltar,
abandonar, desgarrar. Não há nada que se possa realmente agarrar.
Esse
apego, não tem nada a ver com amor, compaixão, bondade ou amizade; ele é sempre
egoísta, por mais que isso se oculte de nós (mas a prática nos mostrará), pois
ele se traduz em posse e emoções aflitivas (dúvida, superstição, crença num eu
permanente e imutável que foi ferido, preguiça, torpor, má-vontade, aferro, cobiça,
luxúria, raiva, ódio, dor, irritação etc.) produtos da ignorância básica, raiz
de tudo: a ilusão de que há um eu, um meu, e ou um meu eu; quando não é
possível nem pode ser possível nem há de modo algum algo em nós que possa ser
chamado de um eu permanente e imutável, nem nada que possamos ter
permanentemente, imutavelmente e sempre nos satisfaça, nem algo que possamos
chamar de meu ou de meu eu. Tudo é condicionado, dependente de causas e
condições, mutável, impermanente...
A
única esperança de imutabilidade, satisfatoriedade permanente, imortalidade é
aquilo que não é não é sujeito a nenhuma condição, que não depende de qualquer
causa ou condição, o incondicionado, não nascido, não gerado, não devenido,
Nibbana. Buda caracteriza esse estado como além da percepção e da não
percepção, um extremo prazer invariável ou extrema felicidade, a verdadeira
felicidade.
Mas o
tipo de desejo em questão, o apego, não devemos ter nem sequer pela meta da
libertação, Nibbana, nem por nenhuma meta ou etapa ou resultado do nobre
caminho. O apego, ou desejo-apego, pode por vezes nos dá prazer, alegria ou
felicidade, mas isso é fugaz, transitório e seguido de sentimentos opostos a
esses, amargura, tristeza, tédio, insatisfação. O desejo-apego é prejudicial,
trás resultados insatisfatórios e nos afasta da libertação. Ele nos aferra aos
grilhões e alimenta nossas ilusões e nos mantem prisioneiro a elas, a visões
errôneas, irreais, enganosas...
Como
se verá o texto aborda outros temas importantes, como a perspectiva histórica e
monástica do Therigatha e de como a autora pensa que devemos encarar o estudo
desse texto; os escritos da monja Uttama; os agregados; as bases dos sentidos;
e os elementos. Em tudo subjaz a prática do modo correto de ver e de treinar a
mente em ser desgarrada e livre dos obstáculos. Quero compartilhar os
benefícios que esses ensinamentos trazem aos praticantes e o que destaquei que
pode servir como uma revisão em leituras posteriores para mim e se puder servir
para você também e para outros com quem se queira compartilhar.
Aqui no texto a seguir temos nas palavras do Buda
a definição e caracterização do sofrimento e sua causa. E nas palavras de
monjas e estudiosas praticantes temos o meio exato de lidar com a causa e
atingir gradualmente a libertação. A sabedoria do therigata, livro das
primeiras monjas budistas nos trás com uma fantástica objetividade e
proximidade de forma prática e com relatos da experiência dessas monjas um meio
hábil e fácil com o qual podemos sempre contar e progredir em nossa caminhada,
tornando nossas vidas mais livres, cheias de significado, feliz e harmoniosa. É
um texto que pode servir muito bem como uma introdução ao Therigatha, que deve
ser sempre relido e relembrado, suas palavras devem ser trazidas à reflexão e
postas em prática. A experiência dos resultados dessa prática é libertadora.
Aprendendo com o Therīgāthā:
O que libertou a venerável monja Uttamā
Por
Nona (Sarana) Olivia
O THERĪGĀTHĀ tem
ganho uma popularidade crescente
nos últimos anos.
O livro de Susan
Murcott,
“As Primeiras Mulheres
Buddhistas: Poemas e
Histórias do Despertar”
(The First
Buddhist
Women: Poems and
Stories of Awakening)
tornou os versos
das monjas anciãs
prontamente disponíveis
para o mercado
popular, coincidindo com
o crescente interesse
no
papel das
mulheres no Buddhismo. Com a
recente controvérsia em
torno da ordenação
de
mulheres,
muitos se voltam para os versos dessas monjas (bhikkhunis), como uma prova de
sua
existência
prévia.
Como os historiadores dos textos escritos por
mulheres há muito tempo têm apontado, algumas
vezes,
os leitores se tornam tão focados no fato de que um autor de
um texto antigo é do sexo
feminino que
perdem de vista
o conteúdo do
texto. Compreensivelmente, os
leitores
contemporâneos do Therīgāthā abordam estes
poemas como exemplos
de uma voz
feminina
perdida há
muito tempo. Sem
dúvida, a escassez de
textos antigos escritos
por mulheres pode
dar a
impressão de que
as mulheres não
compunham, mas o fato de
que o Therīgāthā foi o
primeiro e por
muito tempo um texto
oral é uma
evidência do contrário. Assim como
Rita
Gross aponta
em sua obra
fundamental, “Buddhismo
depois do Patriarcado”(Buddhism after
Patriarchy):
O Buddhismo
indiano antigo também
preservou, apesar da
prática
principal de manter
registros androcêntricos, um
documento notável, que pode registrar mais das
mulheres, de um
período antigo,
do que qualquer
outro conjunto de
literatura
religiosa. Este documento é, sem dúvida, o
Therīgāthā. Aqui está
um claro, inequívoco e simples relato, de mulheres com elevadas
realizações
espirituais, do que
o Buddhismo significava
para
elas, da liberdade e alegria que elas finalmente
encontraram em
sua prática(51).
Nós
somos, de fato,
afortunados por quaisquer
textos compostos pelas
mulheres antigas que
foram preservados. No entanto,
não devemos deixar
que a nossa
gratidão por essas
vozes
femininas nos
leve a projetar
os nossos valores
anacronicamente e observar
apenas a sua
“feminilidade”. A fim
de entender a vida dessas
mulheres que viviam
na Índia antiga,
é
necessário ler o
Therīgāthā dentro de seus contextos
culturais e históricos.
Não fazê-lo é uma
injustiça
para com os poemas dessas discípulas.
Há
também uma tendência
de se aproximar
dos versos do Therīgāthā como evidência
daquilo
que alguns se
referem como “o feminino”,
um termo quase-Jungiano popularizado
no começo
da
segunda onda do feminismo. No entanto, as mulheres, como muitas mulheres de
outras raças
ou
de ascendência não europeias alientaram, a noção de um “feminino”essencial
ingenuamente
assume as
normas culturais, raciais
e de classe que excluem
as vozes daqueles que não
possuem
estas qualidades
culturalmente idealizadas. Não há um “feminino” universal. Enquanto que
os
órgãos sexuais
são anatomicamente iguais,
muito do que
consideramos como as
normas de
gênero são na
verdade construções sociais
inscritas por uma
cultura individual. Para
emprestar
do
sutta Mahāyāna Vimalakirtinirdesa, Sariputta
pergunta a uma deidade feminina: “Por
que
você
não muda o seu sexo feminino?” A deidade responde:
“Estive aqui
por doze anos
e tendo inspecionado
as características
inatas do
sexo feminino não
fui capaz de
encontrá-las”. (citado em
“Buddhismo Depois do
Patriarcado”)
Sugiro
que não leiamos
o Therīgāthā primeiramente como um
relato histórico da
vida dessas
mulheres
do 6º século a.C.; não é a sua feminilidade que essas mulheres antigas querem
enfatizar
em
seus poemas. O ponto de sua prática buddhista não era o de reificar qualquer
condição, mas
estarem
libertas do apego. Sem apego, uma pessoa pode se tornar mais independente
daquilo que
é culturalmente
considerado normativo ou
ideal. Ao reconhecer
uma verdade mais
profunda,
cada pessoa
pode ser ele
ou ela mesma,
sem necessidade de
estar em conformidade
com as
normas culturais de gênero. Mais importante
ainda, esses versos
enfatizam o Ensinamento do
Buddha no
cânone pāli, e de
forma extraordinariamente poderosa
deixam claro que essas
mulheres receberam,
praticaram, se libertaram por meio
deles e ensinaram os
mesmos
ensinamentos
que recebemos hoje.
Essas monjas
viveram na mesma
época do Buddha histórico.
Em alguns dos
versos, elas
descrevem
suas vidas pré-monásticas como esposas, mães, filhas, concubinas e prostitutas.
Esses
instantâneos
nos permitem um breve olhar para o pano de fundo e o sofrimento que atraiu
essas
mulheres para
o Dhamma. Independentemente do
nosso gênero, podemos
nos identificar com
essas
mulheres, como quando Vasitthī escreve sobre sua tristeza pela morte de seu
filho: “Aflita
pelo meu
filho, totalmente louca,
fora de meus
sentidos” (133).
Reconhecemos a vaidade
da
juventude neste
verso de Vimalā: “Jovem, intoxicada
pela minha adorável pele, pela minha
imagem,
pela minha beleza e fama, eu desprezava
outras mulheres”(72). Em contraste, sobre
o envelhecimento, Ambāpāli escreve: “Formalmente meu
corpo parecia belo,
como uma
folha bem
polida de ouro;
agora é coberto
com rugas muito
finas” (266). E, claro, muitos
praticantes simpatizam
com a bhikkhuni
anônima, que escreveu: “Faz 25
anos desde que
abandonei
a vida em família e segui a vida santa. Nem mesmo pela duração de um estalar de
dedos
eu alcancei o
aquietamento da mente” (67).
No entanto, esses versos são apenas parte
de suas
histórias, já que
cada uma continua contando sobre
as práticas que
as levaram à
libertação
do sofrimento.
Existem
73 poemas reunidos
no Therīgāthā, cada um de ou
sobre uma monja diferente. Neste
breve ensaio,
vamos nos concentrar
em uma dessas
antigas monjas que
nos dá um
vislumbre
sobre
quais dos ensinamentos do Buddha as monjas ensinavam umas às outras.
Uttamā
De acordo
com a
tradução feita por Carolyn Rhys Davids das biografias
comentariais, o pai da
monja
Uttamā era o tesoureiro
de Savatthi; dessa forma, podemos
supor que ela
veio de uma
família
abastada. Durante sua adolescência, ela ouviu ensinamentos dados pela monja Patacara,
que
inspirou Uttamāa se ordenar na Sangha do Buddha. No entanto ela era incapaz de
progredir
em
suas meditações, então ela se aproximou de Patacara para
obter ajuda. Na estrofe seguinte,
Uttamā
descreve os ensinamentos que ela recebeu de
Patacara, e nos diz que ela praticou esses
ensinamentos
e se libertou.
Versos de Uttamā
Quatro a cada cinco vezes
em que eu saía do meu quarto, eu não
tinha obtido a paz mental. Eu não tinha nenhum controle sobre a
minha mente. Eu fui
a uma monja
em quem eu
confiava. Ela me
ensinou o
Dhamma, os agregados,
as seis bases dos sentidos e os
elementos (khandhāyatanadhātuyo).
Eu ouvi seus ensinamentos e,
em seguida, sentei com as
pernas cruzadas por sete dias, entregues
à alegria
e felicidade. No
oitavo dia estiquei
meus pés, tendo
penetrado a ilusão do eu (tamokkhandha padāliyā).
Parece
que Uttamā tinha se ordenado e
estava meditando, mas
sem sucesso. Ela não
estava
chegando
a lugar nenhum. Ela teve uma
conversa com uma monja
mais sênior do que ela, que
lhe
deu instruções clássicas do Buddha. Uttamā praticou de forma diligente, não se
movendo por
sete dias
(uma fórmula clássica
para uma duração de tempo). No
oitavo dia, ela
estava
iluminada.
Os
ensinamentos clássicos sobre
os agregados, as
seis bases dos
sentidos e os
elementos
(khandhāyatanadhātuyo), que Uttamā praticou ainda
são relevantes nos
dias de hoje. No
entanto,
uma vez que eles se referem a conceitos desconhecidos para a maioria dos
Ocidentais,
se quisermos
entender como eles
são libertadores é
importante compreender como
eles são
entendidos
no Buddhismo.
Fundamental
para aquilo que
aprendemos praticando com
esses três tópicos da
vigilância - os
agregados,
as bases dos sentidos, e os elementos - são as lições sobre sofrimento,
impermanência
e não-eu. Ou
seja, praticando com
esses três conceitos
nós somos capazes
de ver onde
nos
apegamos
e de [que] colhermos os frutos do desapego.
Os Agregados (Khandha)
A
primeira desta longa
palavra composta utilizada
por Uttamā, khandhāyatanadhātuyo,
é o
termo
pāli khandhas, uma palavra
que significa literalmente
“amontoado” ou “grupo”. Por
todo o Therīgāthā
lemos muitas estrofes comoventes em
que as monjas
se libertam após
aprenderem
sobre os khandas -os cinco agregados do apego.
Em seu primeiro discurso, o Dhammacakkappavattana
Sutta, conhecido como “Colocando em
Movimento a
Roda do Dhamma”,
o Buddha diz
aos seus discípulos
que ele despertou
para a
causa
de todo sofrimento: os agregados do apego.
“Nascimento
é sofrimento, envelhecimento é
sofrimento, doença é
sofrimento,
morte é sofrimento; pesar, lamento,
dor, tristeza e
desespero são sofrimento; a união com aquilo que é desprazeroso é
sofrimento; a separação daquilo que é prazeroso é sofrimento; não
obter o que
se deseja é sofrimento; em resumo,
os cinco agregados
influenciados pelo apego são sofrimento”(SN 56.11).
Os
agregados do apego
descrevem as formas
psicofísicas como sentimos,
percebemos e
construímos nossos mundos. Muitas vezes
os ouvimos como
definidos na língua pāli,
os cinco
khandhas, que
incluem rūpa (forma material), vedanā (sensação), saññā
(percepção),
sakhāra
(formações mentais), viññā a
(consciência), e o
Buddha ensinou que o
sofrimento
surge quando
nos identificamos e nos agarramos
a qualquer um
destes cinco. Quando nos
apegamos
aos khandhas, construímos uma identidade vinculada ao passado, projetada no
futuro,
e
apegada ao presente.
Assim
como as monjas
do Therīgāthā foram ensinadas por
companheiras de caminho
(“uma
monja em
quem eu confiava”),
temos a boa
fortuna de ter
mulheres experientes de
quem
aprender.
A Upasika Kee
Nanayon, considerada por
muitos como a
principal mestra do
sexo
feminino na
Thailândia, nos instrui
sobre os agregados
em sua palestra
do Dhamma de
1970,
“Treinamento
para a Libertação” (Training for Liberation):
“Quando
entendemos isso surgindo
e cessando - nos voltando
para
examinar
as condições dentro de
nós mesmos - vamos perceber
que
não há nada
bom ou ruim. É
apenas um processo
natural de
surgimento,
persistência e cessação.
Tente penetrar e
ver isso. A
purificação
regular da mente
destacará qualquer impureza,
tal como
uma
sujeira em um
quarto limpo. A
cada momento você
deve
abandonar
qualquer apego. O
que quer que
surja, persista e, em
seguida, cesse - não se segure ou se agarre nisso!
Tome este princípio
de “não desejar, de não agarrar” profundamente
no coração, e assim
a mente estará
tranquila e livre. Essa
é uma realização valiosa. Isso
não envolve um amplo conhecimento - nós apenas
penetramos para
ver a impermanência
da forma material,
das sensações, das
percepções,
dos condicionamentos [formações
mentais], das
consciências”.
(www.accesstoinsight.org, daqui
por diante, referido
como ATI:
http://www.accesstoinsight.org/lib/thai/kee/directions.html#chb6).
A bem conhecida
monja alemã, Ayya
Khema, aborda o
sofrimento causado pelo
apego aos
khandhas
em sua
palestra do Dhamma
em 1994, “Meditando
sobre Não-Eu” (Meditating on
Not-Self):
“Tome
separadamente os quatro khandas que compõem
a mente.
Quando
nós o fazemos,
enquanto isso está
acontecendo - não agora
em que vocês
estão apenas pensando
sobre isso - mas enquanto
isso
está acontecendo -então temos um pressentimento de
que isso não é
realmente ‘eu’,
que esses são
fenômenos que estão
surgindo, que
permanecem
um momento e
depois cessam. Quanto
tempo a
consciência
mental fica em
um objeto? E
quanto tempo duram
os
pensamentos?
Nós realmente os
convidamos?”
(ATI:http://www.accesstoinsight.org/lib/authors/khema/bl095.html).
As Bases dos Sentidos (āyatana)
A segunda prática que a monja ensinou para
Uttamāfoi a vigilância aos sentidos. É através dos
seis sentidos
que conhecemos o
mundo. Isso inclui
os cinco sentidos
que conhecemos
comumente, com
a adição da
mente. As portas
dos sentidos, os
objetos dos sentidos e as
consciências estão
incluídos no conceito buddhista dos
sentidos como um
local de apego. Em
“Desperto
e Consciente”(Awake and Aware), Ayya Khema nos ensina:
“Nosso
ser interior se manifesta
através das sensações,
que surge
através
dos nossos contatos
sensoriais. Pensar também é
um contato
sensorial.
Pensamentos não saudáveis
produzem sensações
desagradáveis tais como ansiedade ou infelicidade.
Ver, ouvir, saborear,
tocar,
cheirar são os
cinco sentidos exteriores.
Pensar é o
sentido
interno.
Todos eles geram contato e produzem sensações. Há o olho e
o
objeto visual. Quando ambos
estão presentes em
boas condições, a
consciência
visual surge e
isso resulta na
visão. A base do
sentido, o
objeto
sensorial e a
consciência sensorial se
encontram. Quando
sabemos como esse ser, que chamamos de “eu”, opera,
podemos parar
sua
saída impressa pré-programada, que
está sempre respondendo
da
mesma
maneira”.
(ATI:http://www.accesstoinsight.org/lib/authors/khema/herenow.html#
ch3).
Observando
cuidadosamente as portas
dos sentidos entrando
em contato com
os objetos dos sentidos,
percebemos como nos
enredamos no ciclo
da origem dependente.
Em seu ensaio
“Investigação para
o Insight”(Investigation for
Insight), a praticante
de vipassana Susan
Elbaum Jootla
nos ajuda a
entender como nós,
assim como Uttamā, podemos
aplicar uma
investigação sobre
os seis sentidos
em nossa prática
diária. Ela inclui uma
citação do Buddha
quando
ela escreve:
“Assim, cada
consciência é uma consciência visual, uma
consciência
auditiva,
uma consciência olfativa,
uma consciência gustativa,
consciência
tátil ou consciência
mental, dependendo de
qual é o
órgão dos
sentidos no instante
em que ele
encontra o seu
objeto. O
ciclo de causalidade continua a partir daí: ‘Tendo
o olho e os objetos
visuais como condição, surge a consciência visual.
O encontro desses
três é o
contato. Tendo o
contato como condição surge a sensação.
Tendo a sensação
como condição, surge
o desejo, o
apego, o vir-aser.
Tendo o vir-a-ser
como condição, surge
o renascimento,
envelhecimento, morte, o pesar, o lamento... Esse é
o surgimento do
mundo’ (SN
12.2). Através dessa análise
da gênese da
existência (o
“mundo”)
e de dukkha (assim
como é formulado
mais
frequentemente)
nós podemos entender
a natureza absolutamente
impessoal do surgimento da consciência, bem como o
papel germinal
na
criação de sakhāras
[formações mentais] desempenhado
pelas
bases
dos sentidos internas
e externas” (ATI:
http://www.accesstoinsight.org/lib/authors/jootla/wheel301.html).
Os Elementos ( Dhātu)
Finalmente,
naquela longa palavra
composta que Uttamā usa para
descrever o que
lhe foi
ensinado, nós
chegamos à palavra para
elementos - dhātu. Alguns de nós já
ouvimos discursos
sobre
os quatro elementos: terra, água, fogo e ar, e fácil entender que o nosso mundo
é criado
por esses
elementos. Em “A Mente
Meditativa”(The Meditative Mind),
Ayya Khema nos
instrui
a notar que:
“Podemos
usar a vigilância
para observar que
tudo na existência
consiste de quatro
elementos: terra, fogo,
água, ar; e então
verificar
qual é a diferença
entre nós mesmos e
tudo mais. Quando levamos a
prática
a sério e
olhamos toda a
vida de tal
maneira, então
encontramos a verdade em todo nosso entorno bem como dentro de
nós.
Nada mais existe (Nalanda:
http://nalanda.org.br/meditacao/mente-meditativa).
A
erudita em pāli, Lily
Silva, ilustra o
ponto de que os elementos
em si são
condições que
surgem de
condições. Em seu
artigo de 1987: “A
Atitude Buddhista em
Relação à Natureza”
(The Buddhist Attitude Towards Nature),
ela escreve:
“Apesar
de usarmos um
substantivo chamado “chuva”, que
parece
denotar uma “coisa”, a
chuva não é nada
além do processo de gotas
de água caindo
do céu. Fora esse
processo, a atividade de “chover”,
não há nenhuma
chuva que poderia
ser expressa por
um conceito
nominal
aparentemente estático. Os próprios
elementos de solidez
(pathavī),
liquidez (āpo), calor
(tejo) e mobilidade
(vāyo),
reconhecidos como
o material de
construção da natureza,
são todos
fenômenos
em constante mudança.
Mesmo as montanhas
que
parecem
ser mais sólidas
e a própria
Terra que sustenta
tudo não
escapam
desta lei inexorável
da mudança”.
(ATI:
http://www.accesstoinsight.org/lib/authors/desilva/attitude.html).
[Obs.: os elementos de solidez (pathavī), liquidez
(āpo), calor (tejo) e mobilidade (vāyo) são os mesmos chamados comumente terra,
agua, fogo e ar respectivamente.]
A
partir desses poucos
exemplos, podemos ter
uma noção das
possibilidades de prática
com
esses
objetos de meditação: os agregados, as bases dos sentidos e os quatro elementos
materiais.
Na verdade, esses
objetos de meditação
são maneiras de
conceitualizar os processos
que
constituem um
ser humano. Enquanto
que eles, por vezes,
são ensinados como
práticas
separadas, classicamente
eles trabalham juntos,
ou talvez seja
melhor dizer que
eles são
processos sobrepostos. Por exemplo,
no Sa myutta Nikāya, a bhikkhuni
Vajirā, se descreve
como
um “amontoado de meras formações” e explica com o símile da carroça:
“Para u m certo conjunto de componentes,
usa-se a palavra ‘carroça’.
Da mesma forma, para os agregados
há a convenção de u m ‘ser’.” (I.553)
Além de estudar os agregados que formam a
“convenção conhecida como um ser”, nós podemos
dissecar
o símile de Vajirā acrescentando que só podemos experimentar o nosso “ser” através
da
inter-relação
dos quatro elementos materiais, bem como
no local das seis portas dos sentidos e
seu contato
com o mundo
externo. Embora esses
três possam nos ajudar
a entender o
ensinamento do
Buddha sobre origem
dependente, para os
propósitos desse breve
ensaio, é
suficiente apontar
que qualquer objeto
de meditação que um praticante
use, o objetivo
é o
insight
libertador de que todas as coisas surgem de condições, são impermanentes,
insatisfatórias
e
não-eu.
A prática e o objetivo da prática de Uttamā podem
ser os mesmos para nós nos dias de hoje. Da
mesma forma,
os ensinamentos e
ferramentas dados pelo
Buddha para as
monjas foram
transmitidos através
dos tempos para
os nossos professores,
que continuam a oferecê-los no
mundo
de hoje. Assim como Uttamā aprendeu e aplicou o que ela aprendeu com uma
professora
em quem
ela confiava, nós
também nos beneficiaremos seguindo
o seu exemplo
de ouvir e
praticar.
O Therīgāthā fornece um instantâneo nas vidas
dessas monjas antigas e fala sobre sua devoção à
prática.
Suas histórias de libertação podem ser inspiradoras para nós nos dias de hoje,
tanto para
leigos
como ordenados, tanto para homens como para mulheres.
TrabalhosCitados
•
GROSS, Rita M.. “Buddhism
After Patriarchy: A
Feminist History, Analysis
and
Reconstruction of Buddhism”. SUNY, 1993
•
Access To Insight (ATI): www.accesstoinsight.org
• Centro de Estudos Buddhistas Nalanda:
http://nalanda.org.br
NONA
OLIVIA é uma estudante do Buddhismo e
praticante de meditação há muitas décadas.
Ela
tem doutorado pela Brown University e leciona na Universidade do Colorado em
Boulder.
Sua
área de especialização é o papel das mulheres nas antigas tradições religiosas.